segunda-feira, 11 de março de 2013

Workshop "O actor e a neutralidade"


Direcção: Nuno Pino Custódio
Local: Lisboa 
Datas: 25 a 30 de Março / 1 a 6 de Abril

  
Sinopse
A neutralidade é um conceito valiosíssimo, uma ferramenta metodológica imprescindível na formação do actor, pois prepara-o para os mais diversos cenários, estilos, géneros, técnicas, uma vez que desenvolve, como poucos outros sistemas, a sua concentração, presença, atenção, contenção, disponibilidade, confiança: estruturas "invisíveis" responsáveis por todo o sentido expressivo do teatro. É deste ponto, desta imobilidade e deste silêncio feitos de energia, que nascerá (que se evocará) realmente um outro ser: a personagem. Através de um exercício‐ritual inspirado nos coros da tragédia grega, desenvolver‐se‐á toda uma aprendizagem que recentrará a teatralidade no corpo do actor, amplificando a sua consciência relativa aos diversos fenómenos do espectáculo e da representação. É com esta consciência que se processam todas as mudanças e evoluções, no sentido de um teatro que busque cada vez mais uma linguagem sua, necessária e integral.

O que significa estar em "situação de actor", qual a necessidade do teatro hoje, a diferença entre a "personificação" e a "despersonalização"?, como se desenvolve um grupo e a concentração nesse colectivo?, como tomar decisões perante a pressão ou lidar com o erro, o ajuste, o medo, a ansiedade?, o que é, afinal, um objectivo, um conflicton ou. simplesmente, uma acção?, o que significa, enfim, estar em equilíbrio e partir para o desequilíbrio da criação...

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Estão abertos dois workshops ou a possibilidade de frequência dos dois:

1. "O actor e a neutralidade" LX MAR
25 a 29 de Março, das 20h00 às 00h00 (Chegada às 19h30)
30 de Março, das 14h30 às 23h30 (1 hora jantar / chegada às 14h00)

Pagamento: até 22 de Março (120€) ou 22 de Março (65€) + 22 de Abril (65€)

2. "O actor e a neutralidade" LX ABR
1 a 5 de Abril, das 20h00 às 00h00 (Chegada às 19h30)
6 de Abril, das 14h30 às 23h30 (1 hora jantar / chegada às 14h00)

Pagamento: até 29 de Março (120€) ou 29 de Março (65€) + 29 de Abril (65€)

3. "O actor e a neutralidade" LX MAR + ABR

Pagamento: até 22 de Março (180€) ou 22 de Março (95€) + 29 de Abril (95€)

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NIB para pagamento 0035.0396.0021.0224.6003.0 (CGD Ana Brum)
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Atenção! Turmas somente entre 8 a 15 elementos.

A inscrição fica efectivada mediante comprovativo de pagamento. Os workshops são dirigidos preferencialmente a profissionais e/ou estudantes de artes performativas, sem necessidade de CV.

Equipamento: roupa preta que permita movimentos largos, preferencialmente calças de treino e t-shirt de manga comprida. Sapatilha/ténis da mesma cor. Meia-collant de mousse, também preta.

Local: LxFactory
Complexo LxFactory
Rua Rodrigues Faria 103 Edifício I – 0.2
1300–501 Lisboa

Contacto para inscrição: a.bruma@gmail.com / pinocustodio@gmail.com / Telefone: 965301460 / 935 038 587

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Nuno Pino Custódio nasceu em Lisboa, em 1969. Desde praticamente o começo de uma actividade iniciada aos vinte anos, desenvolve e sistematiza uma metodologia de interpretação com máscara, assim que colheu os primeiros ensinamentos com Filipe Crawford, na extinta Meia Preta (1990). Fundou, pouco depois, o Teatro Experimental A Barca, onde pôde, com as suas primeiras encenações e aulas, explorar de forma concreta a relação interdependente entre "ver" e "fazer", cuja máscara, o seu sistema de interpretação, se constituía, por si só, como uma extraordinária ferramenta. Foi posteriormente aluno de Ferruccio Soleri (2000) e de Mario Gonzalez (2008 e 2012). O primeiro, trazendo consigo uma abordagem estética da Commedia dell'Arte reinventada pelo Piccolo Teatro di Milano; o último, fundador da disciplina Masque no Conservatoire National de Paris, expondo uma técnica conjuntamente com referências que se revelam cruciais para o entendimento do uso da máscara enquanto ferramenta do actor. Estes contactos tornaram-se determinantes na consolidação de um percurso que se vinha formando e tinha já um rumo: o confronto directo da experiência do viver quotidiano numa sociedade individualista orientada pelo hiperconsumo com a do teatro, cuja essência se faz sentir com o desdobramento no outro, no tempo da percepção do presente, numa espécie de máquina que só funciona se humanizar.
Nuno Pino Custódio cria e desenvolve, regularmente, há duas décadas, oficinas, colaborando amiúde com escolas profissionais (como foram e/ou são os casos da Escola da Máscara, da Academia Contemporânea do Espectáculo, da Escola do Chapitô, da ESE Coimbra, da ESTAL, da ACT – Escola de Actores ou da ESMAE). Esta colaboração tem sido extensível, também, de uma forma natural, à formação no seio das próprias unidades de criação (Teatro Meridional, Teatro O Bando, Circolando, Teatro Oficina, Teatrão, ACTA, Teatro do Montemuro ou FIAR, são exemplos disso). 
Como encenador, a sua actividade não se dissocia da própria dramaturgia que cria (uma "dramaturgia do ver", como prefere definir, contemporânea ao espaço do ensaio) nem tão-pouco da escrita. Entre o Teatro Experimental A Barca, a Companhia do Chapitô, a FC – Produções Teatrais, o Teatro das Beiras, o Teatro O Bando, o Teatro Meridional, o Teatrão, o Teatro do Montemuro, o Teatro Oficina ou a ESTE – Estação Teatral, conta com mais de quatro dezenasde criações, muitas de sua autoria, outras em regime de co-criação, onde a centralização do trabalho do actor (na perspectiva de uma "representação total") e a improvisação, como ferramenta de pesquisa e criação, se fundem com o vasto território da máscara e desenvolvem toda uma intervenção que converge para uma linguagem própria, específica, dita "do teatro". Raramente trabalha com textos previamente escritos, com impulsos demasiado definidos e já registados por criadores exteriores aos grupos de trabalho. A escrita, faz parte de todo um processo e sedimenta-se, aos poucos, depois de um já profícuo contacto com o público. Ainda assim, Sanchis Sinisterra, Samuel Beckett, Dario Fo, Luís Bernardo Onwana ou Jean Cocteau assinalam um percurso que nunca se desviou da sua natureza. Natureza que "não se remete à demarcação conhecida por 'teatro físico'" – faz questão de assinalar – "não obstante, precisar de ser físico para ser teatro". "O relato de Alabad" (2002, também interpretado por si) e "Mãe Preta" (2004), são ainda assim peças escritas de sua autoria que se destacaram no panorama teatral português.
Pino Custódio tem, por isso, procurado edificar uma "ideia de teatro", num percurso cuja pesquisa não busca de forma espontânea os limites, as transgressões, as intercepções, os enclaves entre as diversas disciplinas e artes, mas, antes, a criação de movimentos cêntricos: o contacto, o interesse, o relacionamento com aquilo que Jacques Copeau, por exemplo, chamaria de "fundações intactas". Formas antigas (como o Teatro Clássico Grego e Romano ou a Commedia dell'Arte) ou populares e tradicionais (como a pantomima ou a prática milenar dos contadores de histórias), relacionando directamente "passado" com "futuro", "antigo" com "novo". Mantendo-se em contacto com uma essência, uma estrutura imutável, uma "ideia" pode, finalmente, pensar-se fazer teatro "com" (e não "para") o público. Um púbIco moderno, como faz sempre questão de referir. A inquietação que está inata em cada uma das suas encenações ou aulas é a de conseguir expressar o teatro não apenas como arte mas como necessidade insubstituível – quanto mais não seja por uma questão antropológica.
No seu percurso, é incontornável, também, a actividade regular de formação com os dois principais grupos universitários de Coimbra: o CITAC e, mais recentemente, o TEUC. Também aí deixou espectáculos marcados pela perspectiva do actor-criador e da criação colectiva. Com o TEUC ganhou, aliás, o Prémio FATAL 2011 para o melhor espectáculo, algo nunca antes alcançado pelo histórico grupo.
Especializou-se em Estudos de Teatro, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e colaborou como investigador do Centro de Estudos de Teatro, entre 1996 e 2000. É, presentemente, Director Artístico da Estação Teatral, e já mostrou o seu trabalho ou ministrou oficinas nos seguintes países: Bélgica (Bruxelas, Liége, Gand, Lovaina), Espanha (Salamanca e Barcelona), França (Paris e Poitiers), Cabo Verde (Mindelo), Alemanha (Berlim), Moçambique (Maputo) e Brasil (Rio de Janeiro).

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O ACTOR E A NEUTRALIDADE
para uma contextualização

Para além dos seus múltiplos significados e enquadramentos, a neutralidade é muito difícil de compreender numa sociedade dominada pelo ego e pelo individualismo, portanto, pela identificação com a forma (onde ter significa muitas vezes ser, apesar das infindáveis decepções daí decorrentes e já há muito denunciadas). Para além disso, o facto de percebermos que esta é, na verdade, um "ponto fulcral" que nunca se atinge e de ter tido ao longo do século XX e início do XXI várias escolas vem ainda complexificar o debate. O que significa realmente "neutro"? Que pertinência pode ter para o actor, para a criação, para o espectáculo, enfim?
Jacques Copeau, um dos primeiros pedagogos a pôr realmente em prática este conceito, por volta de 1920, numa Europa ainda a ressacar do seu primeiro conflito global, buscava um regresso à simplicidade, um espaço de quietude e silêncio de onde se partia e se regressava, desejando inclusive que a cena se desatravancasse e o actor estivesse como o corpo do corredor antes do disparo. Um conjunto enorme de discípulos continuaram a sua tradição, mesmo se esta, com a Segunda Grande Guerra, se suspendeu. Jean Dasté, casado com a sua filha, Marie-Hélène Dasté, acabava mesmo por recuperar, juntamente com a sua companheira, a "máscara nobre" de Copeau (antepassada da máscara neutra) mas procurava agora, sobretudo, a ideia de uma representação sincera (com todos os perigos que essa palavra pudesse ter quando nos referimos à arte), onde o actor se sentisse ligado a um mundo desconhecido de forças interiores que o faziam comunicar com o universo. De tradição em tradição, Jacques Lecoq, aluno e actor deste último, viaja para Itália e, do seu encontro com um escultor, Amleto Sartori, redefine a ideia e fixa a expressão "neutro" para designar "incondicional", "sem passado nem futuro", como se o actor, sem qualquer impulso prévio pudesse finalmente ver, ouvir e sentir. Tal demanda não se diferencia muito das primeiras pesquisas de Copeau, pois que ambos desejavam personagens que interagissem com o seu mundo com "a frescura de uma primeira vez", abrindo assim um vasto campo à descoberta, à criação, à improvisação, à própria teatralidade. Com a sua famosa máscara neutra em couro, nascida dessa profícua colaboração com Sartori, Lecoq redefiniu toda uma pedagogia onde a "máscara neutra" era a disciplina-mãe, impulsionadora de todas as outras. Com ele, percebe-se que "neutro" significa também "económico", "essencial" ou "directo". A fuga ao textocentrismo e ao excesso de acção psicológica que caracteriza o Ocidente (não apenas o teatro ocidental), onde os actores se contentavam, de uma forma geral, a representar "do pescoço para cima", ao mesmo tempo em que os seus corpos se iam bloqueando cada vez mais, está no cerne destas pesquisas, ao mesmo tempo em que se vai percebendo que o modelo de uma sociedade de hiperconsumo provoca uma cisão profunda entre a simultaneidade do acto de ver e de fazer. Presentemente, tirando os ensinamentos de Jacques Lecoq, ainda muito amplificados e com grande ressonância um pouco por todo o lado por muitos dos seus ex-alunos e assistentes (ainda que com pequenas diferenças e singularidades), o termo "neutro" endureceu bastante, caindo verdadeiramente no campo ontológico, onde já nem é a personagem que está em questão mas... o próprio actor. Das experiências de Carlo Mazzone-Clementi, nos Estados Unidos da América, com a sua Dell'Arte School, recorrendo agora não a uma máscara neutra mas a uma outra que se denominava "metafísica", passando pela máscara preta de Mario Gonzalez, ambas sem boca, obrigando o actor a fazer com o corpo acções que naturalmente faria com a boca (como bocejar, falar, comer), passaram já mais de cem anos. Cem anos atrás de uma utopia. 

Nuno Pino Custódio sai desta última linhagem onde, discípulo de Mario Gonzalez, prossegue agora o seu caminho em torno de uma "ideia de teatro" que tem vindo a construir há mais de duas décadas, simultaneamente com as suas criações, aulas e máscaras. Para si, a colocação de um objecto fixo que oculte total ou parcialmente um rosto não é mais decisivo, contanto que o actor assuma um comportamento que estabeleça uma conexão directa entre ver e fazer, entre as inúmeras dualidades que o teatro, para ser teatro, está sujeito. A neutralidade surge então como um estado, que ele próprio define de "actor", onde a concentração e a consciência potenciam, realmente, o desdobramento, a despersonalização, o desequilíbrio, a criação ou essa capacidade cada vez mais rara de "sentir por outro para ajudar outro a sentir". 
Para o actor moderno, questões como estas são absolutamente essenciais e preparam-no para um teatro vivo, actual, entendo-o como "máquina" que só funciona se humanizar.